Projeto impede constrangimento, em processos judiciais, de vítimas de violência sexual

O projeto altera o Código de Processo Penal e torna inadmissível a realização de perguntas ou a juntada de provas que disponham sobre o comportamento sexual da vítima ou de testemunhas em processos e julgamentos de crimes dessa natureza.

De autoria da senadora Simone Tebet (MDB-MS), líder da bancada feminina, a medida foi inspirada no caso da blogueira Mariana Ferrer, que denunciou ter sido dopada e estuprada durante uma festa em um bar (beach club) em Santa Catarina, em 2018, quando alega ter sofrido um lapso temporário de memória sem recordar dos fatos ocorridos ou quem seria o abusador. Em inquérito comandado pela delegada Caroline Monavique, a polícia civil chegou à identidade do autor e o caso foi denunciado pelo Ministério Público. O réu acabou sendo absolvido na Justiça de primeiro grau, alegando falta de provas definitivas.

De acordo com Mariana, as cópias de supostas fotos sensuais da jovem apresentadas pelo advogado de defesa do acusado na audiência de instrução e julgamento, como argumento de que a relação teria sido consensual, foram forjadas, manipuladas com recursos do “photoshop” (programa de edição de imagens).

O texto determina que, na investigação de crimes que envolvam violência sexual, o silêncio ou a falta de resistência da vítima não poderão ser deduzidos como consentimento, seja quando este for impossibilitado por ameaça de força ou por incapacidade da pessoas violentada. Além disso, a credibilidade, a honorabilidade ou a disponibilidade sexual da vítima ou das testemunhas não poderão ser inferidos da natureza do seu comportamento sexual anterior ou posterior.

“A revitimização constitui violência institucional, fortalecendo a rota crítica em meio ao processo de enfrentamento da violência sexual, submetendo as vítimas a inquirições marcadas por concepções discriminatórias historicamente construídas que envolvem detalhes de sua vida privada, suas vestimentas, comportamento pessoal, ou mesmo a sua experiência sexual sem qualquer relação com os fatos”, argumenta Simone Tebet na justificativa do projeto.

Segundo a autora, a proposta visa a proteção da pessoa violentada contra “presunções preconceituosas e machistas dos julgadores”. A senadora ressalta a importância de ouvir as vítimas, visto a vulnerabilidade delas frente ao abuso do poder e também porque crimes como estes comumente ocorrem “às ocultas”, sem a presença de testemunhas.
Estatísticas

Um estudo feito por pesquisadoras da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) destacou dados alarmantes sobre o tema. Segundo nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no Brasil, 50% dos casos de violência sexual ocorre com meninas menores de 13 anos de idade. Ademais, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019 revelou 66.041 registros de violência sexual em 2018. Naquele ano, de acordo com o Anuário, quatro meninas de até 13 anos foram estupradas a cada hora no país.

No projeto, Simone Tebet lembra que os números podem ser ainda menores do que a realidade devido a subnotificação. “Entre os motivos estão o medo e a vergonha da vítima, sua descrença no sistema de justiça, ou mesmo o medo de revitimização mediante a exposição de sua vida privada com o propósito de enfraquecimento do quadro probatório, inversão de culpa ou, dentre outros, o argumento da concorrência para a prática do delito”, escreveu.

 

Fonte: Agência Senado