Recentemente, em 28 de outubro de 2021, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu equiparar injúria racial ao racismo, por 8 votos a 1. O ministro Nunes Marques foi vencido pelos colegas. O entendimento veio da consideração de que a injúria racial é um tipo do gênero do racismo, sendo, portanto, imprescritível de acordo com a Constituição em seu artigo 5º, XLII.
Origem da decisão
A discussão chegou ao STF após o caso de uma idosa, agora com 80 anos, que foi condenada a um ano de reclusão e dez dias-multa por injúria racial por ter chamado de “negrinha nojenta, ignorante e atrevida” uma frentista de um posto de combustíveis. A decisão partiu da 1ª Vara Criminal de Brasília.
Como a ré tem mais de 70 anos, a defesa solicitou a extinção da punibilidade por ter passado metade do prazo prescricional, o que foi negado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), pelo delito ser considerado imprescritível. Foi aí que a defesa decidiu entrar com Habeas Corpus no STF.
O ministro e relator do caso, Edson Fachin, votou a favor de equiparar a injúria racial (Código Penal, artigo 140, parágrafo 3º) ao crime de racismo (Lei 7.716/1989), em novembro de 2020. Dessa forma, o entendimento do relator foi de que não é possível reconhecer a extinção da punibilidade para quem é acusado por injúria racial, com base no artigo 5º, XLII, da Constituição.
Com o entendimento de que há diferenças nas condutas dos crimes e de que apenas o Poder Legislativo poderia implementar a imprescritibilidade ao crime de injúria racial, o ministro Nunes Marques divergiu do colega. Em dezembro de 2020, ele argumentou que: “No crime de injúria, o bem jurídico protegido é a honra subjetiva, e a conduta ofensiva se dirige à dela. Já no crime de racismo, o bem jurídico tutelado é a dignidade da pessoa humana, que deve ser protegida independente de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.” O ministro Alexandre de Moraes interrompeu o julgamento com um pedido de vista.
Decisão do STF
Já em outubro deste ano, Alexandre apresentou seu voto-vista, seguindo o relator do caso. Ele citou o artigo 3º, IV, da Constituição, dizendo que “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” é um objetivo fundamental da República Federativa do Brasil; e também o artigo 4º, VIII, da Constituição, afirmando que o “repúdio ao terrorismo e ao racismo” deve nortear as relações internacionais.
Ele ainda citou a Constituição para lembrar que o crime de racismo é imprescritível e inafiançável, não um tipo penal chamado “racismo” e sim a prática do racismo, valendo esse entendimento não apenas para o crime previsto na Lei 7.716/1989, como também para a injúria racial. Para ele, os termos proferidos pela idosa foram “uma manifestação ilícita e preconceituosa em razão da condição de negra da vítima”, havendo, então, um ato de racismo. Alexandre de Moraes avaliou que essa interpretação ajuda a promover um combate pleno ao racismo no Brasil, contribuindo para reduzir o sentimento de inferiorização que os racistas querem impor às suas vítimas.
Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski seguiram o entendimento. O ministro Gilmar Mendes não fez parte do julgamento.
Na visão de Cármen Lúcia, mesmo em uma situação de injúria racial, a pessoa ofendida não é a única vítima, pois tal ato afeta toda a humanidade. Já Barroso lembrou dos efeitos sociais do racismo, que é reproduzido em ofensas e em atos cotidianos, muitas vezes de forma impensada, e afirmou que precisamos passar por um processo de reeducação no assunto.
Lewandowski concordou que o racismo vai além das condutas descritas na Lei 7.716/1989. Luiz Fux, presidente do órgão, lembrou que a jurisprudência sobre o assunto está em desenvolvimento para garantir que as vítimas de racismo sejam amplamente protegidas.
Elogios à decisão
A decisão do STF foi elogiada pelo presidente do Instituto Luiz Gama, Silvio de Almeida. Para ele, ainda que o Direito Penal seja um instrumento limitado no enfrentamento ao racismo, a decisão do órgão foi correta e irá permitir que ofensas racistas recebam o tratamento adequado no sistema judiciário brasileiro, evitando que ofensores fiquem impunes.
O voto de Edson Fachin pode ser conferido no Habeas Corpus 154.248.
Fonte: Conjur